Texto: Matilde Jézéquel Fotografia: Noel Kingsbury
Noel Kingsbury é, para muitos, um nome que dispensa apresentação. Internacionalmente conhecido como escritor de plantas, jardins e ambiente (a sua bibliografia soma mais de 20 livros), Noel pertence ao movimento inovador dos anos 90 que desenvolveu um estilo de plantação naturalista e sustentável, tendo colaborado com o célebre garden designer Piet Oudolf. Tem trabalhado, igualmente, em vários espaços públicos e continua a fazer investigação sobre a selecção e gestão de herbáceas ornamentais de acordo com a sua ecologia, estudando a sua resiliência e longevidade em diferentes ecossistemas.
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Bexhill on Sea
- A sua área privilegiada de trabalho tem sido as herbáceas. Define-as como sendo a ‘planta ornamental central da natureza’. Pode explicar-nos a razão desta designação e o motivo do seu interesse por este tipo de plantas?
Muitos de nós somos atraídos pelo seu dinamismo sazonal. As herbáceas começam de forma quase imperceptível na Primavera, atingindo o seu tamanho final mais tarde, não havendo por isso, em nenhuma etapa do seu crescimento, um momento desinteressante. O seu tamanho é ideal para criar combinações de plantas relativamente complexas, em diversas escalas. Há também um grande número de herbáceas para escolher, o que possibilita uma grande diversidade de efeitos visuais, e são tolerantes a uma ampla variedade de habitats.
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Bexhill on Sea, England. Planting as part of a project with HTA Landscapes of London
- Utiliza muito o conceito de ‘combinações misturadas’ (intermingling combinations) para esquemas de plantação. É este um dos segredos para a criação do tão singular estilo naturalista?
Exactamente. A plantação, pelo menos ao nível da paisagem, tem trabalhado tradicionalmente com blocos de plantas. Claro que estes blocos podem ter uma presença gráfica forte, o que poderá ser muito útil e atraente, sendo igualmente fáceis de manter. No entanto, na sua essência, estas plantas não são naturais, e uma vez ‘fora de estação’, podem ter um aspecto muito feio. As ´combinações misturadas’ introduzem uma aparência naturalista suave, mas é fundamental que aprendamos como combinar essas plantas, de forma a impedir que as variedades mais fortes dominem as mais fracas. O design de plantação alemão (inicialmente para espaços públicos) contribuiu decisivamente para a criação de uma base de evidência forte para as ´combinações misturadas’ complexas de baixa manutenção.
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Montpelier Cottage (Noel´s garden), Herefordshire, perennial plantings in June
- Parte da sua investigação baseia-se no estudo da longevidade, resiliência e baixa manutenção das herbáceas perenes. Nos últimos anos temos vindo a assistir à afirmação de um novo paradigma em que o uso deste tipo de plantas passou do espaço privado para o público. Considera esta uma tendência crescente na sociedade actual?
A horticultura tradicional tende a focar-se na criação de condições ideais para plantas, prestando pouca atenção a questões de desempenho como a longevidade, ou ao que acontece quando as plantas são densamente plantadas e começam a competir entre si – o que, afinal, é o objecto de estudo da ecologia. Temos muito a aprender sobre estas situações mais complexas; potencialmente, contudo, estas plantas poderão ser de manutenção mais baixa e, certamente, sustentar mais biodiversidade.
- De momento tem um curso online com Piet Oudolf – Learning with experts. Em que consiste e qual é o público-alvo?
Este curso é um dos muitos em que trabalhei para a empresa online Learning with Experts. Piet e eu fizemos as gravações no seu jardim, na Holanda oriental. Destina-se a todos aqueles que gostam de jardins, amadores e designers. Recebemos estudantes de todo o mundo: no ano passado trabalhámos com estudantes espanhóis e um grupo de Brasília. Uma das coisas realmente maravilhosas deste projecto é a oportunidade de ajudar, ensinar e orientar pessoas em diferentes partes do mundo e tentar ajudá-las a desenvolver combinações de espécies para projetos de plantação que incorporem princípios estéticos distintos, mas que usem espécies nativas.
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Montpelier Cottage (Noel´s garden), Herefordshire, perennial plantings in June
- Tem colaborado em diversos projectos em vários países do mundo. Sabemos que Portugal está na lista dos seus próximos planos. Tem algum projecto especifico que queira partilhar ?
Vamos tentar viver em Portugal durante um ano, perto da Serra da Estrela. Tenho uma ideia para um projecto experimental mas, para já, é apenas uma ideia. Sinto necessidade de tentar cultivar plantas num ambiente diferente, e de trabalhar com espécies diferentes.
- Num dos seus artigos escreveu «O centro e o Norte de Portugal foram, no entanto, um grande choque para mim. Parecem ser o palco de uma das maiores experiências não-planeadas em ecologia que eu alguma vez pude observar. No fundo, um presságio terrível do que poderá vir a tornar-se mais comum devido às alterações climáticas» Para além destas paisagens, que outras o marcaram especialmente?
Refiro-me à praga do plantio de eucaliptos e à propagação de exóticas invasoras como Acacia dealbata. É como se a região fosse um banco de testes para novos ecossistemas. É muito difícil prever algum resultado positivo, mas o trabalho desenvolvido por associações como a Quercus, que apoiam a reflorestação com espécies nativas, parecem-me ser a melhor esperança.
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Montpelier Cottage (Noel´s garden), plantings in September
- Tendo trabalhado até agora num clima bem diferente, a ideia de intervir num novo leque de flora e biodiversidade interessa-o?
O meu país, a Grã-Bretanha, tem um clima relativamente uniforme e uma variedade muito limitada de espécies. Estou ansioso por estar num lugar diferente. A Península Ibérica tem tantos habitats distintos e uma diversidade imensa de espécies e habitats. Será realmente muito interessante viajar e explorar tantos ambientes novos e conhecer novas plantas. Se tiver oportunidade, gostaria muito de testar plantas nativas ibéricas para jardins ou paisagens. A gama de espécies disponíveis no mercado dos viveiros é bastante limitada aqui. Seria interessante observar como mais espécies endémicas poderiam ser usados em jardins e outros projectos de grande escala.
- As culturas inglesa e portuguesa têm percepções totalmente diferentes sobre o jardim e o parque. Tendo isto em consideração, pensa haver alguma possibilidade de levar para Portugal, uma sociedade com uma consciência ambiental cada vez mais forte, um novo estilo de plantação?
Esta é uma questão fundamental. A Europa Latina (do sul) e a Europa Central, por um lado, e a Europa do Norte e do Leste, por outro, têm atitudes muito diferentes em relação à natureza. Nestas últimas regiões, a natureza é vista como inerentemente bela e a ideia da plantação naturalista prevalece, uma vez que este é um princípio com que as pessoas se identificam com muita facilidade. No sul da Europa, sente-se ainda a influência do Renascimento, isto é, a natureza só é bela depois de trabalhada pela mão do homem, de modo que ambientes naturais como o matagal são vistos de maneira negativa. Com o fortalecimento da consciência ambiental e por influência da geração mais jovem, parece que esta situação está mudar (lentamente), mas até que esta mudança se concretize, é difícil de avaliar se há uma mudança de atitude em relação ao aspecto dos jardins. Roberto Burle Marx conseguiu, em certa medida, concretizar essa mudança no Brasil, e em Espanha existem, neste momento, designers de jardins que romperam com o modelo clássico e que estão a trabalhar de maneira mais informal, embora o trabalho ainda não seja realmente naturalista.
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Montpelier Cottage (Noel´s garden), plantings in September
- Numa obra tão vasta e rica como a sua, é certamente difícil destacar um trabalho específico. No entanto, houve algum que o marcou ou gostou especialmente?
Na verdade, faço pouco design de plantação, e neste momento é difícil lembrar-me de algo para além do meu último jardim. No que respeita a obras publicadas, e analisando o seu impacto a esta distância, penso que o livro “ The New Perennial Garden”, escrito e publicado em 1966, desempenhou um papel muito importante ao ajudar as pessoas que se interessam por jardins a pensar de maneira diferente sobre a forma como eles funcionam. Teve várias edições, ao longo de vários anos, e foi utilizado como material didáctico por várias universidades, o que foi muito agradável. Apresentou um conjunto de ideias sobre o design de plantas com plantas perenes da Alemanha para um mercado de língua inglesa, tendo causado um grande impacto. Seria maravilhoso fazer parte de um projecto semelhante, aqui.
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Alguns livros da autoria de Noel Kingsbury
Para mais informações sobre o trabalho de Noel, visitem:
www.noelkingsbury.com
noels-garden.blogspot.co.uk
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Matilde Jézéquel
Sobre a autora: Matilde Jézéquel, arquiteta paisagista
Após terminar o mestrado pelo Instituto Superior de Agronomia em 2016, seguiu para Inglaterra a fim de explorar o mundo infindável dos jardins. Está neste momento a trabalhar num atelier de garden design em Londres.
Nota: A autora não segue o novo acordo ortográfico